A cidade viva tem portas,
janelas de carne e osso.
Um músculo grande a palpitar
no peito de concreto “armado”,
olhos de coruja e agouros.
Dorme acordada sempre a esperar o dia,
no leito dos vales de suas montanhas,
em sua embriagues lasciva.
Surge soberba das entranhas da noite,
no mesmo horário em que canta o galo na roça.
É minha esta cidade cheia de fomes escondidas
e arquiteturas anti-mendigos?
Além de suas maravilhas, o que mais oferece?
O banquete servido a todos?
Dá respostas às nossas perguntas?
Sacia nossas fomes de amor?
Esta é minha cidade deitada no vale,
nas encostas da serra,
curral de gado humano tocado pelo capital.
Mesmo assim - empalhada nas malhas
de ganâncias e negócios -
é ela a cidade que sempre me chamou
em minhas distâncias e desterros.
Que acompanhou meus exílios,
que me disse adeus por detrás das montanhas
e me trouxe de volta ao seu ventre.
Ela, com seu cheiro de “damas da noite” mau-dormidas
nas marquizes, viadutos e coberturas de seus paraísos verticais,
cercado da miséria dos trópicos
e seu contraponto insular...
Moisés Augusto, in Fragmentos impertinentes