Da palavra que canta a chuva que molha desejos, dá sabor à braquiara e vigor ao Guzerá, boi esguio e formoso, sempre a nos olhar, como quem faz as perguntas que ainda não foram feitas;
A palavra que dança às margens do Córrego do Onça e se banha, se quebra e corre, nas pedras do Lajeado que há pouco descobri em minhas andanças, na inseparável companhia de meu caderno de anotações e minha “sozinhiidão”, permita-me Guimarães;
A palavra que indaga a esse silêncio que vem de longe, os porquês da injustiça e da opressão, o quando do canto livre, o como esculpir amanhãs paridos das pedras e carregá-los no peito, vestidos de aurora;
A interrogação doída que se espanta com o despedaçar da flor e a usurpação de nossos jardins;
A palavra que se recusa a permanecer sepulta no peito e, guerreira, desata os nós na garganta;
A palavra que ainda não gritou todos os seus gritos e se recusa a fechar a última porta;
A que espreita pelas frestas das Minas, repousa nas montanhas de suas Gerais e se esconde na boca da mata à espera da onça e da lua...
Moisés Augusto Gonçalves, in Fragmentos Impertinentes
Recorte do discurso de posse na Academia Cordisburguense de Letras, MG, julho/2009