sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Os primeiros Fragmentos



I

Passei dos cinquenta, vivi muitas vidas.
Visito o coreto da praça 
e rebobino os traçados que me fizeram.
São de carne crua 
as marcas cravadas nas trilhas sinuosas
dos muitos ais de que me faço.

II

Pego com as mãos molhadas de memórias
as carências e encantos da infância-severina.
Mãe nordestina, 
rasgando brasis em paus-de-arara.
Pai, matuto mineiro,
 inteligência forjada nas dores,
calejado de estradas.

III

Saboreei fomes degustadas à força
e a indignação vomitando sobre-mesas.
Espantou-me a miséria sorvida aos goles.
Encantou-me um vir-a-ser cravejado de lutas,
a gabiroba, as flores do campo,
a goiaba do mato e as primeiras letras.

IV

Foram poucos os “troca-trocas”,
muitos os desejos que brincaram
 reprimidos em mim.
Pari trocados arrancados da venda do esterco,
da lenha despida de gravetos,
da verdura, do ferro-velho,
dos pés-de-moleque, doces e picolés.

V

Deixou-me a infância a marca indelével 
da luta cotidiana pelo pão e pelo saber,
a vontade aguerrida de não ser um fracasso,
de lutar pelo humano,
ser um eterno menino a perguntar os porquês,
embalado em seu sonho de gente.

Moisés Augusto Gonçalves in Fragmentos Impertinentes