sábado, 17 de setembro de 2011

O penúltimo fragmento

Pés- Magritte

Piso novamente esta terra, descalço de pés e alegrias.
Vem de longe o sabor 
tantas vezes requentado do estar juntos;
Temperado com vinagre e mel de abelha-rainha;
Servido com ervilhas. 


Sinto o odor apimentado das injustiças;
Meus mirantes projetam olhos de lince,
vejo além das cordilheiras.
Escalo meus Andes e Everestes, sem vertigens.
Navego tempestades agarrado nas águas, 
âncoras onduladas.

São gorjetas os dias que me restam.
Passei dos cinquenta, vivi muitas vidas,
singrei os meus mares. 
Rompi algemas,
derrubei senzalas e o fascínio do poder.

Na andropausa da vida, 
o calor brota de dentro.Coisa dos “enta”.
Não me vendi por trinta moedas.
Ainda sou húmus. Fecundo mentes e corações.

Deixo rastros, marcas inscritas nas paredes de pedras.
Em tom vermelho. 
Agora sou uma epígrafe no epílogo da vida,
 post scriptum de múltiplas façanhas.
Incompleto e inconcluso, tropecei muitas vezes.
E eis-me de pé, alerta, bradando impetuosamente:
Outra vez! Intensamente!!!

Moises Augusto Gonçalves, in Fragmentos impertinentes