sábado, 11 de setembro de 2010

Entro com os pés da memória na casinha pobre que habitou minha infância, já há muito sepultada pela imponência da fábrica. Encosto a cabeça no travesseiro de mulambos, para ouvir o canto da mãe- sertaneja a revezar-se entre a trouxa de roupa, as panelas no fogo e algum impropério dirigido ao filho travesso e às agruras da luta pelo pão. Ali naquele canto – à esquerda do fogão-à-lenha, bem ao lado “da rádio” e das canções apreendidas quase por osmose - cumpri meus castigos. De joelho em terra, genuflexão sem hiatos, debulhei espigas de milho e senti seus grãos. Muitos, para alimentar as galinhas, reparar meus pecadinhos pueris e respeitar “Dona Maria”. A fornalha ainda acesa alimentada pela lenha da fazenda do “Neca”, O café de quando em vez e o pão quase sempre sem manteiga. A privada lá fora, casinha de escrementos fétidos... Um dos poucos lugares de alívio, visitado com parcimônia, dada a escassez do pão.

Moisés Augusto Gonçalves, in Fragmentos impertinentes