domingo, 2 de agosto de 2009

Discurso de Posse






Prezadas e Prezados,

Compartilho o discurso que pronunciei em minha posse na Academia Cordisburguense de Letras, no último dia 31 de julho. Tive a grata satisfação de compor a mesa com a Sra. Vilma Guimarães Rosa, filha do grande Guimarães. Na ocasião, fez a doação de importante acervo para o Museu em memória de seu pai.


"Minhas saudações a todos os presentes: à comunidade de Cordisburgo e região, autoridades, meus amigos e amigas de Belo Horizonte e, particularmente, àqueles que agora posso chamar – com a marca do pertencimento-, de acadêmicos. Condição que vivencio, em outro registro, como sociólogo e docente, agora licenciado para a elaboração de minha tese doutoral.
Tenho a grata satisfação de ocupar a cadeira n. 07, patroneada pela Educadora Helena Antipoff (1892-1974), que nos legou relevante contribuição nas áreas da educação fundamental, especial, rural e comunitária; destacando-se a Sociedade Pestalozzi. Fato que aumenta o simbolismo desta posse e minhas responsabilidades.
Busquei em Cordisburgo o refúgio indispensável para a árdua tarefa de mergulhar em fenômenos complexos, difíceis, que constituem meu olhar sociopolítico; confrontado o tempo todo com o desafio de traduzí-los na aridez da linguagem dos assim chamados cientistas sociais. Certamente, não escolhi esta cidade de forma aleatória. Chão que beijou os meus pés desde a mais tenra infância na casa de Vovó Elvira e Vovô Juquinha e que desde sempre me cativou com seus encantos. Terra que pariu meu pai, José Francisco Gonçalves, apelidado de “Chico Azevedo”. Ainda jovem, voou para outras paragens em busca do pão, que tantas vezes marca o encontro com o amor, descoberto no colo de Maria Conceição, minha mãe, migrante pernambucana, analfabeta, rasgando brasis em paus-de-arara. Vida ceifada no débil vigor da maturidade pelo mal de chagas. Corre em minhas veias o sangue de um filho da terra, o mesmo sangue que não poucas vezes nos alimentou – vendido no Hospital da Baleia em Belo Horizonte - nos tempos em que éramos comidos por muitas fomes...
Cordisburgo é o recanto que acalenta minha inquietude e rega as inúmeras reflexões que atravessam meus cotidianos, nos saltos e percalços do estar juntos, e de sentir o ipê amarelo acenando ao pé da serra. Aqui se tropeça no trilho da linha, em “primeiras estórias” - muitas outras - e nos versos largados ao relento à espera do vaqueiro, da gente simples e hospitaleira, que colore seus dias e lhes dá sentido. Talvez, não apenas por ser a terra de Guimarães, seu filho maior, mas por cultivar outras tantas Rosas pulsando no coração do cerrado e das gentes.
Em meus escritos, quase sempre falo do dentro-de-dentro, do que estraçalha o peito, das cascatas de lágrimas sulcando lábios carnudos, do coachar dos sapos na várzea, da beleza do Maquiné e das estrelas que estranham a demora da lua. Também da perversidade dos homens e seus sistemas de ganância e poder, máquinas de moer gente e aquela felicidade, como diz Guimarães, que se encontra nas horinhas de descuido...
Sou um aprendiz, tecelão das utopias próximas do longe. Talvez o único mérito que tenha seja o de cavalgar na ousadia e partilhar indagações na cadência do verso desnudo da armadura da métrica e da clausura da rima, vestido no traje de gala da busca, da palavra que canta a chuva que molha desejos, dá sabor à braquiara e vigor ao Guzerá, boi esguio e formoso, sempre a nos olhar, como quem faz as perguntas que ainda não foram feitas;
A palavra que dança às margens do Córrego do Onça e se banha, se quebra e corre, nas pedras do Lajeado que há pouco descobri em minhas andanças, na inseparável companhia de meu caderno de anotações e minha “sozinhiidão”, permita-me Guimarães;
A palavra que indaga a esse silêncio que vem de longe, os ‘porquês’ da injustiça e da opressão, o ‘quando’ do canto livre, o ‘como’ esculpir amanhãs paridos das pedras e carregá-los no peito, vestidos de aurora;
A interrogação doída que se espanta com o despedaçar da flor e a usurpação de nossos jardins;
A palavra que se recusa a permanecer sepulta no peito e, guerreira, desata os nós da garganta;
A palavra que ainda não gritou todos os seus gritos e se recusa a fechar a última porta;
A que espreita pelas frestas das “Minas”, repousa nas montanhas de suas “Gerais” e se esconde na boca da mata à espera da onça e da lua.
Não sei se a palavra que busco é a palavra que tenho. Sei apenas que é esta é a palavra que ouço, escrevo e quero. Dormindo em seus silêncios, a palavra por excelência. Ela que explode da lucidez-menina que se descobriu louca de paixão pelo humano; loucura das tantas que cada um de nós traz estendidas na rede do coração e da razão refugiadas no avesso da lua cheia.
Aqui nesta terra, vivo também a “angústia da página em branco” que ora se dissipa com a melodia do coral de maritacas, o voo do colibri, o jacarandá-do-cerrado; ora se enche de lua e ilumina os recantos da alma.
Este é o leito onde corre a utopia dos sentidos que fazem a vida valer a pena ser vivida e se deita nas páginas. É nele que saboreio esse “bão” gostoso que acena nas ruas, esse “Aban!” povoado de dizeres...exclamação cunhada com suor, sorrisos e calos na mão.
Sinto-me profundamente honrado em pertencer a esta Academia e a esta cidade. Minha contribuição é modesta. Coloco-me à disposição para torná-la efetiva, dentro dos limites postos no momento presente e a generosidade que me faz gente".


Moisés Augusto Gonçalves
Cordisburgo, 31 de julho de 2009